Música
10.10.2021
Yves Montand: o charme de um saltimbanco centenário
Em meados de 1981,Yves Montand voltou a cantar depois de treze anos longe do palco.
O cabelo mais branco e mais raro, as rugas denunciavam os 60 anos que tinha então. Mas a voz era a mesma quando entoou um arrepiante “Les feuilles mortes” (no link abaixo), e o vigor era idêntico ao bater os pés firmes no sapateado de “Luna Park”. Foi uma apoteose a temporada que ele fez no Olympia em Paris, naquele ano. Duzentos mil privilegiados tiveram a sorte de conseguir um ingresso para vê-lo. Meu marido e eu entre eles. E, ao nosso lado, um grupo de embasbacados japoneses que tinham vindo de charter especialmente para passar “an evening with mr. Montand”.
Pois foi esse show de hora e meia que Montand, em 1982, apresentou numa turnê mundial. Da qual o Brasil foi a primeira escala. Ele tinha conhecido o Rio na Copa de 50 mas se negava a ir ao Brasil desde o golpe militar de 64. Em 82, com a redemocratização, achou que era a hora. Apresentou-se em São Paulo, deu uma esticada a Brasília, mas o grande show foi no Maracanãnzinho, em agosto de 82.
Esse filho de imigrantes italianos que chegou a Marseille aos 2 anos encantava ao cantar, é claro, mas também ao contar. Contava, com um charme irresistível, que quando optou pela vida de artista jurou ao pai que nunca se apresentaria de camisa preta, pois ela lembrava os camisas-negras de Mussolini, e muito menos de branco, que era, francamente, a cor dos gigolôs (tudo isso foi por água abaixo no final da guerra e com a derrota do fascismo). Depois, relembrava a adolescência numa fábrica, onde empacotava macarrão, num salão de cabeleireiro, e depois como estivador. Foi quando começou a imitar os grandes artistas da sua época. E, já em Paris, a se apaixonar por mulheres maravilhosas, como Edith Piaf ou, mais tarde, Simone Signoret. Montand era múltiplo: cantou muito, imitou, fez cinema (com Georges Cukor, com Costa-Gavras, Alain Renais), foi estalinista “por generosidade e cegueira”, como disse certa vez, enriqueceu, deu-se ao luxo de só viajar de primeira classe, e gastou fortunas em mesas de pôquer. Mas ele gostava mesmo de se definir como um saltimbanco — uma raça em extinção, dizia, que explorava a dança, o sapateado e a interpretação. Hoje me lembrei de tudo isso quando vi que se comemora esta semana seu centenário de nascimento.
https://www.youtube.com/watch?v=kLlBOmDpn1s